Por que o mercado americano segue firme (e calmo) — mesmo com todo o barulho da Era Trump

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Enquanto as manchetes gritam, os mercados americanos não parecem nem um pouco assustados. Em 2025, mesmo em meio a ameaças tarifárias, tensões geopolíticas e discursos explosivos do presidente Donald Trump em seu segundo mandato, os principais indicadores de risco seguem tranquilos — ou perto disso.

As bolsas americanas batem recorde; os prêmios exigidos por investidores para comprar novos títulos de dívida estão nos menores níveis desde antes da pandemia; a volatilidade implícita nas opções segue em queda há dois anos. E o custo dos seguros contra calotes (os chamados credit default swaps) também está próximo das mínimas históricas.

Se o ruído político aumentou, por que o risco percebido nos mercados diminuiu? Rick Rieder, diretor de investimentos de renda fixa global da BlackRock, trouxe argumentos bastante interessantes em um artigo escrito para o Financial Times. Sua tese é que a explicação está na transformação silenciosa da economia americana em uma das mais resistentes do mundo a choques externos.

O gestor pondera que hoje os serviços respondem por 81% do PIB dos EUA e por 69% do consumo das famílias — contra apenas 38% nos anos 1940. Esse tipo de atividade tende a ser mais estável ao longo do ciclo, e o consumo real de serviços só caiu duas vezes no ano a ano desde então: em 2009 e 2020.

Além disso, cadeias produtivas digitalizadas e um mercado de trabalho aquecido reduziram os riscos de inadimplência e suavizaram as oscilações nos lucros corporativos.

A solidez do orçamento das famílias também ajuda, diz Rieder. O endividamento em relação ao patrimônio está perto das mínimas históricas, 50% abaixo do pico de 2008. O custo com juros representa menos de 10% da renda, e a taxa média dos financiamentos imobiliários em aberto é de apenas 4,05%.

Balanços fortes, investidores líquidos

Nas empresas, a disciplina é semelhante. Ao longo da última década, as companhias com grau de investimento alongaram dívidas e reforçaram o caixa. A alavancagem está mais de 30% abaixo dos níveis da crise financeira global. E as margens de lucro, hoje em 13,8%, superam qualquer marca anterior à pandemia.

“Sem desequilíbrios relevantes nos balanços, não há gatilho para episódios de desalavancagem forçada — o tipo de estresse que costuma desencadear grandes ondas de volatilidade”, escreve o diretor da BlackRock.

Com US$ 129 trilhões em ativos financeiros, as famílias americanas têm quase metade desse valor aplicado em instrumentos que pagam mais de 4% ao ano. Isso gera uma necessidade de reinvestimento, que se traduz em demanda constante por ativos corporativos e securitizados. Como os dealers trabalham com estoques menores, os spreads de negociação encolhem e os preços oscilam menos.

No mercado acionário, os avanços em inteligência artificial, computação em nuvem e robótica abrem espaço para ganhos fora da curva. Rieder pondera que, mesmo com múltiplos elevados, o fluxo de caixa dessas empresas vem sempre superando as expectativas.

E há um conjunto de fatores técnicos sustentando os preços: níveis recordes de caixa em fundos de renda fixa, recompras agressivas de ações por parte das empresas e um calendário esvaziado de IPOs mantêm a demanda à frente da oferta.

As quedas de mercado, portanto, são vistas por muitos como oportunidade para reforçar posições — tanto em líderes tecnológicos quanto em empresas consolidadas com forte geração de caixa.

A estratégia: risco controlado, retorno composto

O gestor lembra, contudo, que, apesar dos prêmios de risco controlados, os rendimentos estão longe de baixos: os títulos do Tesouro americano ainda pagam mais de 4%, enquanto a inflação recuou para pouco acima de 2%. O juro real — o rendimento descontado da inflação — é o mais alto em pelo menos 15 anos.

“Essa economia dominada por serviços, balanços blindados e uma base de investidores com muita liquidez criam uma combinação rara: crescimento resiliente com retornos elevados na renda fixa”, escreve Riener.

A recomendação é que os clientes mantenham exposição à Bolsa para capturar o crescimento dos lucros, e direcionem a carteira de renda fixa para papéis de alta qualidade, além de buscar diversificação com ativos descorrelacionados, como imóveis, investimentos privados e até uma alocação modesta em criptoativos.

“Os mercados não estão ignorando o risco, estão precificando um sistema construído para absorvê-lo”, conclui.

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